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2023 – UMA CRÔNICA

Já temos até biografias de certos anos: 1808, 1889. Que tal uma crônica, algo mais restrito, sobre nossa Porto Alegre em 2023? Daria uma biografia, este ano, mas teria que ter alguns parceiros.

Sérgio Jockyman escreveu uma bela crônica sobre a capital, falando de sua Belle Époque, comparando-a a Paris.

Certa feita, Érico Veríssimo desancou com nossa Praça da Alfândega, dizendo que ela nada tinha "demais”. Visões distintas, mas, no geral, Porto Alegre dos anos 1900 a 1950 é muito elogiada como uma cidade encantadora. Há fartos relatos.

Se formos ler relatos de nossos visitantes ilustres como Saint Hilaire e Arsène Isabelle, teremos uma visão do tempo em que ficaram por aqui.

Imaginem se a gente não tivesse tido o Coruja (autor de Antigualhas), nosso primeiro cronista! Sua atenção e percepções dos 31 anos em que viveu aqui foi de um cérebro computadorizado. Além disso, do Rio Imperial, onde se exilou, foi puxando o fio da memória e nos deu relatos precisos dos nossos primórdios, de como eram as ruas, seu estado, seus moradores, lembrando o nome de muitos deles, como suas denominações e troca delas.

Depois dele, tivemos o Achyles Porto Alegre, exuberante tanto em quantidade de narrativas como na sua qualidade. Paulo de Gouvea, Archymedes Fortini e Theodemiro Tostes foram essenciais com seus escritos nos jornais para se conhecer mais sobre as coisas da cidade.

Estamos em processo de elaboração de uma Seleção de Crônicas do Archymedes Fortini.

Estamos quase órfãos de cronistas da cidade. A grande mídia coloca de quando em quando um de seus jornalistas a falar do cotidiano, mas estes não seguem o roteiro da vida da capital.

Felizmente, temos alguns jornalistas e escritores que têm feito resgates e nos dado informações do último meio século. De passagem, cito Juremir Machado da Silva, Paulo Cezar Teixeira, Marcello Campos, Márcio Pinheiro, Leandro Staudt e poucos outros mais. Depois, tem aqueles que falam de temas mais específicos, como Artur de Farias e Juarez Fonseca que nos falam de música.

De uns tempos para cá, venho me somando a pesquisadores, professores, jornalistas, escritores e memorialistas para juntar o máximo de informações sobre nossa capital. Nunca deixo de ler nossa literatura, seja o conto, o romance ou novela que se passa na cidade. Tento voltar, de quando em quando, ao Darcy Azambuja, ao Dyonélio Machado, ao Érico Veríssimo, ao Moacyr Scliar, entre outros. Tem uma leva de escritoras, cuja literatura explora mais e mais nossa capital.

Em maio, lançamos, Paulo Timm, Cielito Rebelatto Junior e eu, o CRONOLETES POA 250 – www.cronoletespoa250.com – como um depositório de “coisas de Porto Alegre”, do qual, este relato fará parte.

E para falar de um tempo e de uma cidade, é preciso sair do casulo, circular por suas ruas, praças, parques, botecos, cafés e agora, aqui, mais do que nunca, pelo que se convencionou chamar de "orla", que eu sempre chamo de "beira do Guaíba".

Soltas e livres do longo período pandêmico, dos medos, 2023 parece ser o ano em que as pessoas se voltam com certa paixão para fora do lar. Outras teimam em ir aos shoppings.

Vamos dar uma passeada por Porto Alegre de 2023.

Pela novidade do espaço dos armazéns e entorno no Cais Mauá, mais acessíveis apesar das restrições, a Rua Padre Chagas das elites foi esvaziada, sumindo quase tudo de lá, restando ainda bons restaurantes na Rua Dinarte Ribeiro. O esvaziamento atingiu outros espaços do Bairro Moinhos de Vento. Já tínhamos perdido o Café do Porto e o Z Café. O Thomas não serve mais seu almoço supimpa.

Na Auxiliadora, de algum tempo para cá, tem um núcleo de vida noturna, pelas Ruas Auxiliadora, Nova York e seu entorno. Num misto de bares badalados e alguns bons restaurantes.

Churrascarias fecharam várias, como a Galpão Crioulo, no Harmonia, mas temos a mais antiga em ação, a Santo Antônio (1935), na Rua Dr. Timóteo, a Komba (1967), na Avenida Bahia, entre outras. Temos a sofisticada NB Steak, na Ramiro - ah, estes nomes em inglês. Tem agora uma febre de parrillas, algumas delas bem boas.

No privativíssimo e excludente Embarcadero, parte do Cais Mauá, já privatizado – insisto na palavra “privatizado” -, o cidadão está proibido de circular antes que abram para a "clientela". A clientela derrotou o cidadão. Tentei entrar ali ao fazer uma caminhada num ensolarado sábado pela manhã, porém, fui quase agredido pelo guarda privado. Mas garanto que ISTO ainda vai mudar.

Aconteceu no verão no Cais Mauá um evento de tecnologia chamado South Summit, considerado um "desbunde" de poucos, com altos valores de verbas da Prefeitura e do Estado. Este autor, apesar do apoio popular, foi acusado de rancoroso por colunista da mídia local. Parece que o peso do grupo espanhol que tem a marca e sua relação com os atuais governantes é grande, pois garantiu um novo evento para 2024.

Na chamada Orla Moacyr Scliar e em partes dos outros espaços, a circulação é livre, podendo cada qual escolher entre um almoço no Restaurante 360, espaço sobre o Lago ou algo numa carrocinha. Sim, tecnicamente, Guaíba não é rio, é lago. É opção, porque ali perto, tem carrocinhas ou quiosques cujos preços estão na média da cidade. Mesmo discordando da forma como as obras ali se realizaram, não podemos desdenhar que o povo tomou a Beira do Guaíba para si.

Temos ali, ao lado da Usina do Gasômetro, o Ancoradouro Nico Fagundes, com seus barcos de passeio pelo Guaíba, numa forma organizada, além do Cisne Branco, que tem seu ponto no Cais Mauá.

As canchas esportivas na Beira do Guaíba – não sei ao certo seus custos de utilização –são pagas, em geral, mas as pistas de skate, seja do lado das águas ou na Marinha do Brasil, têm acesso livre.

Já houve barreiras e fechamentos ao povo para certos eventos.

O que me parece escandalosa é a forma como privatizaram o Parque da Harmonia, que oficialmente se chama Maurício Sirotsky Sobrinho (mas ninguém usa esta denominação). Já tacaram uma placa dizendo que é o Parque da Orla, uma usurpação grosseira. O condenável é a colocação de massa asfáltica em boa parte do parque, para fazer eventos fechados. É claro que o gestor de um espaço, pelos cuidados que deve ter, tem que ganhar algo, mas detonar com o ambiente é um sinal de que a atual administração é mais ou menos como foi a de Telmo Thompson Flores – o que interessa são "obras" e que o restante que “se dane”. Sim, sem mais nem menos. Mas o povo nos anos 70 resistiu e conseguiu impedir que o prefeito imposto pela ditadura derrubasse o Mercado, como agora resiste o povo aos chamados arranha-céus que o Sport Club Internacional quer levar na "mão grande", privatizando uma área que ganhou para esporte, educação, do clube, não para fazer e vender três torres, uma delas de 120 metros de altura. Onde fica o Plano Diretor? Onde fica o direito à paisagem de quem comprou no outro lado da rua, no Morro Santa Tereza, na época sendo proibido de construir algo que lhe tape a visão?

Se no passado Renato Maciel de Sá Júnior pode escrever três livros sobre o “Anedotário da Rua Praia” e vender livros às pencas, merecidamente, na Feira, qual seria o anedotário dela nos dias que correm? Calma. Vamos aos relatos. E se o José Rafael Rosito Coiro pode escrever dois livros Os tempos dourados da Praça da Alfândega”, o que dizer dela no momento? Calma. E o “Rua da Praia”, do Nilo Ruschel? Não farei comparações porque os tempos são outros, mas não vou fugir de falar dela, da Alfândega e do Centro Histórico em geral.

Cronista que não é flaneur não pode se alçar a cronista. Pois eu circulo, vejo, escuto, anoto. No passado mais machista que hoje - será? - se falava das lindas mulheres em footing pela Rua da Praia. Hoje em dia, quando circulo por ela e no Centro Histórico, vejo pessoas mais idosas, gente mal vestida, mais pobre do que quando cheguei aqui, embevecido com ela, em 1972. “Beleza” é algo muito relativo, nem sempre espelha qualquer essência das pessoas.

Estou impressionado e preocupado com o número de pessoas sequeladas, nem todas são idosas, com as filas na entrada da FGTAS – em busca de Assistência e cartão de benefícios do Estado, outra fila do outro lado da rua no local de distribuição de medicamentos, nas Lotéricas para fazer uma fezinha, fazer o jogo do bicho (proibido), nos caixas eletrônicos. Ali, vejo gente desesperançada. Muita gente obesa, muitas com obesidade mórbida, quase sempre visivelmente pobres, o que denota má alimentação e precarização da saúde. Jovens gordos/as em número alarmante, comendo “salgadinhos”, com uma mão no saquinho e mirando um celular na outra. Uma acrobacia. Vítimas fáceis dos punguistas que aumentam na cidade. Tem muitos em situação de rua, deitados nas calçadas, seja no verão, seja no inverno. A fila que se forma do Cachorro do Kurtz, mesmo não sendo tão barato, é o que dá para o almoço ou lanche, é de 20 anos para cá marcante, na Avenida Borges de Medeiros, pois a Matheus saiu da Alfândega e veio para a Avenida Borges de Medeiros, mas perdeu o sanduíche de pernil. Uma perda e tanto. Matheus ali e a Paris na Riachuelo são as mais tradicionais. Sem esquecer que na subida da Rua da Praia para a Santa Casa, reina a Confeitaria Princesa. Já que estamos nas confeitarias, vale citar a Confeitaria Andradas, na altura dos quarteis, a Pão e Maria, na Rua Duque de Caxias, próxima à Assembleia Legislativa, o Café Moa, na mesma Rua Duque de Caxias, próximo da Rua Bento Martins.

Vejo salas e edifícios inteiros para locar ou vender. Isto tem tido um aumento exponencial depois da pandemia. É certo que muitos optaram por terem grupos de funcionários em trabalho remoto, mas não é só isso. É crise. Lojas fechando, outras quebrando. Restaurantes a quilo fechando. Menos gente para comer no Centro. Nada das antigas e tradicionais lojas. A Marisa, famosa e popular, está para fechar. As Americanas, que reinaram na Rua da Praia, já não tinham mais o melhor sanduíche e milk shake faz tempo, está "meia boca", depois do golpe de seu trio “parada dura”. Os bancos quase vazios, pois as pessoas, mesmo não sabendo lidar com a tecnologia, têm que ir para o caixa eletrônico, para a lotérica, para o pix (salvador da pátria).

Não restou nenhum cinema de rua. O último foi o Victória, na esquina da Rua General Andrade Neves com a Borges. Ali, no velho Beco do Brito, hoje Travessa Acylino de Carvalho, fechou o cine, o Café do Mercado, a super loja Severo Roth, duas barbearias famosas, entre outros espaços. Mas tem lotérica e jogatina nos dois lados. Agora, anunciam com nova administração no Edifício Victória, o espaço do antigo cinema passará a se chamar Cult Cinemas Victória. Estava faltando para fazer parceria com o Cine Bancários, na sede do Sindbancários, na Ladeira, com a Cinemateca Capitólio e os cinemas da Casa de Cultura Mário Quintana.

Só para exemplificar, a Rua que foi Nova, agora Gen. Andrade Neves, aquela via que já teve de tudo, até o melhor restaurante e casas de jogo, Club dos Caçadores, perdeu o Alan Kardec, mais cinco prédios fechados numa fileira só. Esta via com suas calçadas detonadas é o exemplo de como anda todo o Centro Histórico. Dela, sumiram as antigas floreiras. No Club Espanhol, existe um bom restaurante ao meio-dia.

Na Rua da Praia – tem foto na capa do livro do Nilo Ruschel – com suas pedras coloridas que deram lugar, nos tempos do Thompson, para um calçadão, hoje detonado do primeiro ao quinto. Cafés? Dos da Rua da Praia de tantas crônicas e versos, não resta nada. Um café tradicional da Galeria Chaves fechou e surgiu uma Starbucks. Na Rua Marechal Floriano, faça-se justiça, abriu um café, “Cheirin Bão”, elogiável; em frente à Casa de Cultura Mário Quintana, surgiu um “Quiero Café”, bom também. De nome, ficou uma Renner onde era a Livraria do Globo. Porém, tem farmácias (que vendem de tudo), numa quadra, havia nove. Tem lojas de doces, quinquilharias, roupas chinesas e bijuterias. Nada do charme da Casa Louro, Sloper, Krahe, Bromberg, Livraria do Globo, Masson etc. Comparando com tempos passados, a transformação neste século é avassaladora.

Por falar em cafés,eles têm proliferado na capital. Veja Sr. Gabo, na General Câmara, Café com Panc, na Riachuelo, Macuco, na Jerônimo Coelho, Deodoro, na Praça da Matriz, Bistrô Duque, na esquina com a Rua Espírito Santo, Café Mal Assombrado, lembrando o local do episódio da Rua do Arvoredo, na Fernando Machado. Existem muitos e de qualidade, seja na Cidade Baixa, seja no Bom Fim.

O que chama a atenção na Rua da Praia é o trecho depois da Rua Caldas Júnior com botecos e restaurantes populares, de forte aglutinação popular, ainda mais depois que foram liberados os parklets. Local de vida, a bem da verdade. No lugar do Cine Cacique, um supermercado Zaffari. O lastimável é a privatização dos espaços públicos em torno dos quartéis, uma afronta à cidadania.

O que não mudou, só melhorou com o espaço externo que ganhou na Ladeira, é o Tuim, operando desde 1941. Chope bom, bolo de carne acebolado e bauru de primeira.

Um dos hotéis mais tradicionais do Centro, na Rua José Montaury, o City Hotel fechou. Não se sabe o que será feito do espaço. O Everest, na Rua Duque de Caxias, fechou, devendo virar espaço de locação. O Plazinha, antigo Plaza Porto Alegre, virou Town Co., com espaços de locação. Ou seja, deu a “volta”.

O “Esqueleto” que existe desde 1965, junto à Praça XV ao lado da Galeria do Rosário, resiste às promessas da Prefeitura de colocá-lo por terra. Na Galeria do Rosário, reina ainda o Cachorro do Bigode, como na Avenida Otávio Rocha está a famosa Confeitaria Haiti, que começou em 1955 na Alfândega. A Galeria do Rosário pouco mudou, no térreo, são as lojas de semi-joias, relógios, quinquilharias. No seu entorno, reina a oferta de compra de “ouro velho”, cabelos, oferta de piercing e tatoo. Nela, existem “lojas” de compras e serviços. Há exatos 20 anos, 90% das lojas do “ramo” não tinham alvará, e todos sabemos que muito do que se “compra” é receptação dos roubos realizados no mesmo Centro.

Por falar em Esqueleto, ele é o exemplo mais grotesco, mas temos as obras inacabáveis do Colégio Flores da Cunha, o abandono da Confeitaria Rocco, da Casa Azul, na Marechal, a Usina do Gasômetro, o Café fechado no Praça Otávio Rocha. Lá se vai o tempo da prometida obra do Centro, com ruas e avenidas fechadas, com uma empresa operando em Recuperação Judicial. Nem teria como mencionar aqui os prédios antigos completamente abandonados.

Na Avenida Otávio Rocha, como em outras vias, arrasta-se uma obra que não tem fiscalização e não terá fim tão cedo. Uma vergonha. O que vai melhorar são as bancas de floristas na Otávio Rocha. Já a Praça homônima é muita bonita, mesmo abandonada. Há a promessa da Town Co., sucessora do Plazinha, de cuidar, restaurar e operar o café que fechou.

O Chalé da Praça XV reina soberano, ampliado há quase duas décadas, com muito cuidado com o seu entorno, sob a batuta do Simonetti e família. Já está se tornando corriqueira a Feira de Livros que se faz com seus autores uma vez por mês. O Mercado Público, apesar das tentativas de privatização, está pintado, com o segundo piso funcionando, depois de nove anos do famigerado quarto incêndio, pois restou vitoriosa nossa tese junto ao TCE – Tribunal de Contas do Estado – como "bem de uso especial", com seu Bará do Mercado transformado em patrimônio imaterial do Mercado e da cidade. O afluxo de pessoas é positivo, pois é um local de tudo e de todos, o espaço mais democrático da cidade. Já há a retomada também de alguns eventos culturais. O primeiro é o Bloomsday em homenagem a Joyce. Novos restaurantes e lojas estão sendo abertas, mudando um pouco os tipos.

O Terminal da Praça Parobé anda mal cuidado, pior é que deram o nome de Oliveira Silveira, mas nem placa tem e nem o povo sabe disto. Outra vergonha.

O prefeito saiu do Paço Municipal. Criaram um Centro Administrativo, chamado Guilherme Socias Villela, ex-prefeito, na Rua João Manoel, restando o prédio de 1901 para uso da área cultural. Por sinal, foi repintado.

Apesar da falta de política para nossas praças centrais, o "prefeito" da nossa Praça daAlfândega, Ayres Cerutti, se vira voluntariamente com ajuda de poucos. Mas o MARGS continua majestoso, como o Farol Santander. Naquele, temos o café na parte interna e o bistrô na parte inferior. Sempre bons lugares para reunir e conversar. Neste, voltou o Café do Cofre e o restaurante voltou repaginado em alto nível, com boa adega de vinhos. Faltando um apoio maior ao nosso Memorial. O antigo Cinema Imperial nas mãos da CEF nunca fica recuperado, mas a esperança é de que “agora vai...”. No antigo Clube do Comércio, tem um buffet de bom nível com grande frequência. O que destoa com a praça são as bancas de “artesanato”. Não há preocupação do serviço público como houve há duas décadas, com uma formação feita com a Heloísa Grocco. Melhorou com as lojas abertas junto à sede da Caixa Econômica Federal.

Já a Praça da Matriz, chamada oficialmente de Marechal Deodoro, restaurada "meia boca" não tem uma "feitoria" como aquela do Ayres na Alfândega, logo, não tem tido novidades. A novidade está por vir em breve, pois o novo Theatro São Pedro, com seu prédio anexo está para ficar pronto, sob a coordenação do professor Antônio Hohlfeldt.

A novidade mesmo vem da Catedral, ou melhor, dos Jardins da Catedral, com um café que desde sua inauguração tem filas para entrar. Boa ideia.

No entanto, um dos espaços icônicos da cidade, muitas vezes usado para "simbolizar" nossa capital, a Usina do Gasômetro e sua Chaminé, há anos está em reformas, num vai e vem não se concluindo nunca, o que é um desdém com o nobre espaço e seu patrimônio histórico-cultural.

Passados 250 anos de nossa fundação, não se pode esquecer da Praça Brigadeiro Sampaio, que já foi do Arsenal, que foi Harmonia. É a primeira praça da capital. E a primeira a ter sua "prefeita", um título por uma atividade voluntária feita para os cuidados das praças. Marivane Anhanha é a pessoa que, com vizinhos, está agitando bem a praça, com eventos que vão desde recitais de poesias dos poetas que ali tinham seu Recanto dos Poetas Provincianos, os nossos simbolistas, até feiras de artesanato, passando por música. A praça foi recuperada e está bem cuidada e até florida, coisa rara em Porto Alegre.

O grande problema atual de Porto Alegre se chama "arboricídio" uma mania de cortar árvores a torto a direito, seja onde for, com a desculpa mais esfarrapada possível. O tal "prefeito" da Praça Tamandaré no Bairro Petrópolis foi o autor dessa barbaridade. Que seu nome não seja citado, jamais pronunciado.

A sujeira e o lixo, o desdém com os resíduos, é um drama antigo da cidade, muitos dos nossos visitantes do passado citam este caso, quem poderia imaginar que no atual Largo Glênio Peres haja um lixão por ali e outro mais ou menos na frente da Basílica da Nossa Senhora das Dores, dois casos que são citados. Nossos visitantes atuais tem se queixado da sujeira da cidade. O atual sistema de contêineres é completamente inadequado. Há a coleta dos catadores, mais uma demonstração do nível de pobreza que alcançamos na capital, que tiram os resíduos aproveitáveis deixando o restante nas ruas e calçadas.

Atualmente, repetindo, o sistema de coleta é um caso, com certos contêineres nos quais se joga de tudo, não havendo mais a devida separação, como começou nos anos 90, sendo um exemplo para a cidade.

No quadro dos dramas, não se pode esquecer dos recuos do transporte de passageiros, com menos linhas de ônibus, precarização dos veículos, atrasos sistemáticos, retirada de linhas do Lotação e o uso sem fiscalização dos aplicativos. Porém, o sistema de táxi voltou a ter mais qualidade e com o tempo o usuário começa a optar mais uma vez por ele. Mas os aplicativos ainda perturbam a trafegabilidade. E nesta linha, apareceu o Grilo de 3 rodas para duas pessoas, bem como o mototáxi, na contramão das normas.

O uso de aplicativos não ficou restrito a chamadas para carros, cuja entrada foi em 2011. Com a pandemia, a tele-entrega aumentou exponencialmente, fazendo com que motoqueiros voem pelas ruas e gente de bicicleta se esfole de tanto pedalar. Um novo mercado completamente precário e penoso no mundo líquido em que vivemos.

A administração tem uma política de privatizar a empresa pública centenária, a Carris.

Tem uma “febre” faz tempo, em Porto Alegre, talvez maior que em outros lugares, que são os animais de estimação – a que chamam de "pet" (mais um ridiculês) -, que levaram à proliferação de lojas de produtos, bem como locais de tosa e banho e, é claro, a um mercado para veterinários. Já há o hábito de levar saquinhos para juntar o cocô. Uma Lei neste sentido é de minha autoria.

E temos o Bom Fim, que foi para nós o mesmo que foi para outros lugares o Cinema Novo, a Bossa Nova: um corte com o passado, nossa entrada no mundo das mudanças comportamentais, da minissaia, do cabelo comprido, alguns com black power, mais sexo, mais rock and roll e mais drogas.

Foram-se os tempos dos papos infindáveis na Esquina Maldita, hoje nem sombra daquele tempo, pois não sobrou nada dos quatro restaurantes de então. Só mais e mais carros em circulação, com a pomposidade do Hospital Santa Rita, do Nora Teixeira no Complexo sul da Santa Casa, como a Faculdade de Ciências da Saúde etc em seu entorno.

A Prefeitura deixou que o prédio da Avenida Osvaldo Aranha 480 fosse detonado, encerrando um ciclo de “incubadora tecnológica” e sede da Secretaria de Produção, Indústria e Comércio.

Não tem mais as noitadas na frente dos bares e botecos, com a avenida tomada, mas resta a Lancheria do Parque. O Ocidente não se entrega. Tem duas livrarias – Traça e Cirkula – mostrando que há resistências. Temos novos espaços como o Café Cantante, que reúne a esquerda, como novos cafés e bistrôs. O clima é mais ameno, mas não deixa de ter um ar de “aqui se vive”. Nos domingos, a turma sai com seus cachorros de todos os tipos a passear. O Brique da Redenção continua sendo um ponto de encontros, mas está tomado de vendedores ambulantes no seu entorno. Há locais para comidas diversas, como veganas, vegetarianas e algumas étnicas.

O Bom Fim de Nei Lisboa, da Esquina Maldita, do Escaler não mais existe. Mas tem o Bom Fim com um ar de certa retomada, noutro astral. Caminhar pelo Bom Fim é sempre bom.

No Bairro Rio Branco, tem uma proliferação de bons locais para comer: Chica Parrilla, o Osso Parrilla, Terezas Café, Armazém Box 18 etc.

O velho astral, mas mais “líquido” como toda a sociedade pós-moderna, está na Cidade Baixa. Ali, há duas décadas, começava uma transformação de um bairro residencial para um bairro onde se mora, mas abrem-se botecos, bistrôs, cafés por todos os lados.

É um espaço bastante festivo, de muita agitação, até de conflitos entre moradores e usuários dos espaços de lazer, como conflitos não resolvidos com a Administração Pública que perdeu o diálogo com a cidade.

Tanto o Bom Fim quanto a Cidade Baixa vão merecer uma crônica especial.

Nos dias atuais, a badalação está em volta do IV Distrito. Há vinte anos, já apontávamos que este espaço poderia sofrer uma reciclagem, uma reversão de “zona morta” para espaços vivos.

Veio o Shopping Total tomar o prédio que começou com a Cervejaria Bopp, restaurado e bem ocupado até hoje.

Veio o projeto Vila Flores, pela família Wallig, num casario feito pelo Joseph Lutzemberger, de 1928. Começa um agito na Rua São Carlos, depois vêm outras ruas, com projetos inovadores, alguns chamam de Distrito Criativo. Tem até um projeto com o Jorge Piqué. Elogiável.

Mas a administração local fala em projetos para o IV Distrito liberando dois mega prédios na Rua Almirante Tamandaré que vão influir nas bases do casario da Rua do Parque na qual o historiador Frederico Duarte Bartz localizou, no seu projeto Caminhos Operários, mais de uma dezena de espaços. Fala-se em modernizar, esquecem de nossa história real, pois ali foi uma base sólida do movimento operário na capital, com uma colonização predominantemente alemã, mas multiétnica.

Neste espaço que vai da Rodoviária, entrada do Bairro Floresta, até o DC Shopping, no Bairro Navegantes, é o que hoje vulgarmente se chama de IV Distrito. Ali, temos a proliferação de muitas fábricas de cervejas artesanais, como há também no Bairro Anchieta. As cervejarias em geral criam junto a elas um restaurante, bistrô, tendo na atualidade uma boa afluência.

O Bairro Tristeza, que já foi local de veraneio, hoje é um simpático bairro no qual o morador tem acesso a quase todos os serviços, com bom e variado comércio, com destaque para a boa gastronomia. Notável é o espaço da Floricultura Winge, não só pela venda de flores, folhagens, plantas, mas mantém na casa de 1903 da família o seu Café e Prosa.

O Bairro de Ipanema já foi mais amplo em suas ofertas de lazer e da boa mesa. Há algumas novidades, porém, se perderam alguns locais icônicos, como o Bologna. Já a Cantina do Toco é um substituto à altura.

No Bairro Santa Cecília, tivemos uma grande ampliação do Hospital de Clínicas, federal, totalmente atendido pelo SUS.

Também foi anunciada uma solução para o Hospital Parque Belém, que estava fechado e em litígio, assumindo o Hospital Vila Nova, no Bairro Belém Velho.

Na Ramiro Barcelos, no Bairro Independência, surge de uma hora para outra o Hospital Humaniza, privado, ligado a um plano de saúde.

Outro ponto distintivo em relação a consultórios médicos, clínicas médicas é que se espalharam e há prédios inteiros dedicados a estas funções.

Sinto que não conseguiria, pelo tempo, por falta de pesquisas, dados mais precisos (o que é um problema para o pesquisador local) para fazer um livro, uma Biografia de 2023.

O porto-alegrense é aficionado por automóveis. Numa população de 1.500.0000, temos em torno de 900.000 veículos. Isto sem contar os milhares de carros, ônibus que adentram nossas ruas vindos do interior e da Região Metropolitana.

O porto-alegrense não gosta de caminhar, briga para estacionar onde não pode, desde que seja próximo ao local que quer e procura.

Em muitos bairros, a Administração adotou a chamada área azul cobrada por tempo limitado.

Diz-se, com razão, que tanto o pedestre quanto o motorista são displicentes, pouco cautelosos e mal-educados.

Quanto aos bairros em geral, impossível falar de todos em uma crônica. Mas lembro que os dados disponíveis dizem que o bairro mais povoado é o Rubem Berta, seguido do Sarandi, e só então a Restinga, quase empatada com a Lomba do Pinheiro. O Rubem Berta tem muitos habitantes concentrados pelos condomínios populares. Mas temos que dar atenção não só a estes dados, mas à configuração do Rubem Berta, porque é contíguo ao Bairro Jardim Leopoldina, separado em 2016, como surgiram os bairros Parque Santa Fé e Santa Rosa de Lima. Logo, temos que estar mais atentos às pesquisas no tal do “Google”, mais atentos aos enganos da I.A. (Inteligência Artificial). Fico imaginando como em 2122, quando Porto Alegre estará fazendo 350 anos, alguém lendo minha crônica o que pensará sobre como está a nossa capital. Pois não fosse o Coruja, o Sérgio da Costa Franco, eu estaria sem bússola para entender nossa capital.

Um tema que começa a aparecer na grande mídia é a crise dos shopping centers. Aqui, depois do Iguatemi nos anos 80, virou modismo e febre. O Centro Comercial João Pessoa (03.12.1970) mudou de nome para Shopping João Pessoa.

Continua na moda, logo superou o modismo, ir a shoppings em especial aos sábados e domingos.

As praças de alimentação lotam, onde reinam McDonalds, Burger King e estas marcas globais, presentes em todos os shoppings.

O público é variado, especialmente ali e nos parques de brinquedos – isso sim virou modismo e uma fonte de renda para estes locais, tirando as famílias dos parques públicos, do sol, do ar livre.

Os estacionamentos sempre lotados, com motoristas impacientes e mal-educados. Além de caros, outra grande fonte de recursos.

Temos cada vez mais supermercados que crescem e vendem de quase tudo, temos um consumidor impaciente, mal-educado e que faz de tudo para se jogar numa fila, furando fila.

Está em construção, na Avenida Nilo Peçanha, mais um Zaffari, com prédio residencial e de serviços, com a marca Melnick alardeando que será a "Cidade Nilo".

Recentemente, entrou na Zona Norte uma forte marca de Santa Catarina, como expansão da marca Rissul.

Sair de bicicleta é uma realidade atual. Sentindo este gosto, o Itaú disponibiliza bicicletários, assim como a Administração resolveu fazer ciclovias, ciclopistas. Dedicado a um grupo que foge dos shoppings, busca curtir o ar livre, o sol da capital.

Assim, fiz uma crônica um pouco capenga, ainda meio magra, mas não de todo desajeitada.

Prometo mais, quando der.


ADELI SELL é professor, escritor, bacharel em Direito.

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2 Comments


Crônica fabulosa! Parabéns!!

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ACésar Veiga
ACésar Veiga
Jun 13, 2023

Sobre o bairro Tristeza já existe o livro GENTE DO MEU BAIRRO que descreve vários locais e figuras folclóricas deste mesmo bairro - o livro recebeu várias premiações literárias. No mês de setembro será lançado o "Histórias da GENTE DO MEU BAIRRO" do mesmo autor, agora pela Editora Appris de Curitiba. O que está faltando são divulgações e apoio da mídia e dos órgãos municipais. Abraços😭

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