Estruturado no patriarcado escravocrata, o racismo Brasileiro resiste: os negros são os mais encarcerados, mais explorados no mundo do trabalho, com maiores índices de vítimas da violência policial, de adoecimento, inclusive na Covid e são as crianças menos adotadas.
Segundo “Quilombolas contra o Racistas”, somente no primeiro ano do governo Bolsonaro autoridades fizeram 94 discursos racistas, em casos divulgados pela imprensa e redes sociais.
Essa “liberdade de expressão” foi chancelada por um presidente que não pesou o valor do negro como cidadão e sua cultura, mas seus corpos em arrobas. E, paradoxalmente, colocou um negro, Sérgio Camargo, que dentre tantos impropérios, classificou o movimento como “escória maldita” que abrigaria “Vagabundos”, nomeando o maior símbolo da resistência à escravidão, Zumbi, como um “filho da puta” que escravizou pretos. Ainda desprezou os eventos da “consciência negra”, nomeando de macumbeira uma “mãe de santo”
Na era Lula, um novo tempo de lutas positivas se afigura. Estamos vivendo um movimento cada vez mais potente que se expressa nas leis, na cultura, o aumento de parlamentares negros.
Existem 11 ministros de Lula que se declaram negros, em pastas bem importantes como Flávio Dino, na Justiça, Arielle Franco, no de Igualdade Racial. Silvio de Almeida nos Direitos humanos.
Nisso, temos uma grande força às políticas públicas que contemplem os direitos sociais, individuais e humanos da população preta brasileira.
Nessa esteira, podemos ver com entusiasmo espaços de ação afirmativos e promissores no combate às desigualdades, discriminações e violências calcadas em nosso racismo estrutural.
Nas novelas, o negro vinha ganhando espaço, mas via de regra, com tendências estereotipadas e papeis sem muita importância. Agora, em 2023, pela primeira vez ocorre um “boom” de protagonismos: Na Atual novela “Vai com Fé”, com a atriz Sheron Menezes. Temos a estreia do jovem de 9 anos, Levi Asaf, em “Amor Perfeito”.
Agora em abril, na novela das 21h, vem como protagonista a Barbara Reis, em “Terra Vermelha”. Em julho, vem Giovana Cordeiro na novela das 19h.
E uma luz vem se mantendo como influente no empreendedorismo com “A Feira Preta”, maior evento da América Latina, há 21 anos, favorecendo trocas e evolução para o empreendedor negro Brasileiro. Eventos assim, carecem de mais fomentos e divulgação!
Podemos pensar, psicanaliticamente, que o racismo estrutural é estruturante: com uma herança, em nossa constituição como sujeitos no qual o Ideal de Eu bem sucedido é o do branco caucasiano, como identificação.
Temos uma pulsão escópica que no olhar discrimina, desampara o negro que entra numa loja, num supermercado, num restaurante requintado.
A a pulsão invocante, desqualifica o negro através da voz da piada, da agressão, dos significantes “macacos”, “crioulos”, todos pejorativos. .Nesses casos, se sobrepõe a pulsão de morte!
O racismo estrutural pode levar o próprio negro, como defesa, a um negacionismo de sua raça: Para alguns que ascendem socialmente, aparece em pesquisa a negativa da raça, imaginária, pois dizem: “Quando eu era negro”(pobres).
Outros, observamos na clínica, têm um sofrimento psíquico num sintoma obsessivo pela eficácia máxima e perfeição, como se não pudessem errar, já sendo errados por serem negros.
Freud, no seu texto “O estranho”, postula que o estranho é o que é familiar que se aplica à nossa população no campo filogenético. Essa familiaridade é reafirmada, quando predominantemente, segundo o IBGE, 2021, 47% dos brasileiros se declaram pardos; 9,1%,negros.
Isso que é do Real do corpo, que é negado, demanda uma possível simbolização, como tarefa da educação em casa, escola e no trabalho (a cultura empresarial tem que mudar). temos que nos valer da lei, que fica mais rigorosa para os crimes hediondos de racismo.
Algumas pessoas, brancas, não por acaso, embora não racistas, têm apontado que existe um exagero de protestos antirracistas. Porém, diante do exagero histórico, um discurso de resistência é a resposta de quem mais sabe a dor da discriminação e do preconceito: o negro.
Freud dizia que não existe uma clínica que não seja social. Porém, na experiência com analisandos negros, busco ver o que há de singular no sofrimento que tem a marca da sociedade branca como a ideal.
Sei de um relato do sofrimento por ser preto de um menino que voltou da escola dizendo à mãe: “Me tira essa cor!”. Uma demanda impossível de ser atendida pela via do Real do corpo, mas que demanda escuta e investimento narcísico positivo nessa criança.
Fundamental é ver como esse racismo está estruturado no Outro materno, paterno e como ele pode aparecer na constituição do sujeito negro. Como foi o primeiro olhar dos pais pra esse bebê? Que valores foram a ele transmitidos? Na perspectiva lacaniana, no Real do corpo, que também é de linguagem, como ele foi marcado?
“Das Ding”, traduzido com “A coisa”, foi como Freud conceitualizou o que traz uma satisfação plena ao sujeito, guardada como saudade de uma plenitude provisória que o Outro materno proporciona, cortada pela castração na elaboração Edípica. Lacan parte desse conceituo para o do “objeto a”, perdido, cuja falta que é causadora do desejo.
Ouso associar nesta lógica, propondo o conceito de “A coisa preta”. Com isso, para se pensar na singularidade na qual o racismo estrutural, numa perspectiva ética-estética, envolve o social com o singular na constituição do sujeito preto.
A escuta do analista dever ser atenta às particularidades do Preto com seu desejo. O negro, que muitas vezes é objeto de gozo sexual pelos mesmos brancos que os descriminam, precisa ser escutado na clínica, no SUS e na sociedade, pois “Vidas negras” importam e também exportam nossa cultura e identidade, enquanto nação!”
Assista ao debate complementar no Café com Análise
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS)
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