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A PATERNIDADE EM JOGO


Reprodução | Premiere

Quando um pai leva uma criança de três anos a um estádio de futebol e a carrega no colo numa briga de torcidas, o que estaria em jogo, além da derrota do Inter pelo Caxias?

No campo da lei, com base no ECA, temos um crime contra a infância que fica submetida a perigos físicos, morais e psicológicos.

Esse pai, quando coloca literalmente em campo sua conduta irresponsável, dá um recado além do lugar de um torcedor derrotado, numa briga que não seria possível esconder, num ato que demanda simbolização.

Com isso, ficam questões duvidosas a respeito de um vínculo paterno que levaria a filha para um evento esportivo, de lazer, não apropriado para uma criança tão pequena.

Como ele a trataria na intimidade, se em público ostenta um descaso com a sua integridade geral?

Esse evento demanda uma compreensão e respeito amplo com os crimes previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), e de quem são as responsabilidades.

Com base no Art. 227 da Constituição Federal, no artigo 18 do ECA, fica implícito que além da família, do estado, a sociedade também é responsável pela proteção ampla dos menores. Então, bem importante é lembrar que os demais torcedores foram omissos ou comissos em não considerar os riscos que a criança corria na violência em campo.

O “crime de maus tratos”, do Código Penal em seu Artigo 136, também fundamenta as responsabilidades dos cuidadores previstas no Artigo 232 do ECA. Fica, ainda, bem claro, no mesmo estatuto, no Art. 5º que:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Um pai negligente demanda sim medida protetivas que de pronto o Ministério Público tomou. Considerando que a violência desse torcedor contra adversários também se estendeu a ao lateral-esquerdo Dudu Mandai e a um cinegrafista da RBS TV. Por isso, segue um inquérito por crime de lesão corporal e invasão de campo. Também na Divisão Especial da Criança e do Adolescente (DECA), pela exposição da filha a situação de vexame e constrangimento.

Embora a iniciativa do MP seja considerável, o Tribuna de Justiça do Rio Grande do Sul negou o pedido de acolhimento, demandando uma melhor avaliação da criança para que medidas adequadas sejam tomadas.

Com isso, temos uma importante reflexão: qual a fronteira entre uma ação da lei que protege e a exacerbação de danos de toda ordem e desamparo que o próprio ECA se propõe a cuidar? Temos que considerar que é possível uma maior traumatização da criança e sensação de desamparo. Para isso, fundamental é um trabalho interdisciplinar com psicólogos, assistentes sociais e instituições jurídicas e de acolhimento.

Um psicanalista ético não sai por aí fazendo análise selvagem, mas o que não tem como negar é que o sintoma desse “Pai” é perverso! Sim, pois a perversão se caracteriza por uma desmentida da lei, de burlá-la e desrespeitá-la. Corrobora o discurso dele: que disse estar protegendo a menina e pondo a responsabilidade no segurança que o liberou para entrar na confusão.

Refletindo sobre este momento do desenvolvimento infantil, no campo psicossexual psicanalítico, temos um momento no qual o complexo de édipo está em andamento e tendo uma esperada resolução estruturante. E isso passaria pela lei, que faria o corte, interditando o incesto. Em Lacan, isso seria fundamental para operar a “metáfora paterna” que é estruturante, resguardando o sujeito de um adoecimento mental grave, com possível psicose.

Um pai que faz essa exposição perigosa é terrorífico, favorecendo, no mínimo, uma fobia, clássica neurose infantil, além de um registro da imagem exposta favorável a danos ulteriores.

De qualquer forma, esse pai precisa ser escutado, sobremaneira se estiver arrependido, considerando-se que foi algo episódico, como diz sua advogada. Seria muito importante ele poder falar de paternidade, a que teve, a que exerce, o que vale para outros torcedores violentos que não suportam a frustração da derrota - falar de outras derrotas que tenham sido difíceis e, no campo do desejo, que vitórias gostaria de ter na vida.

Essa situação, que põe em xeque uma paternidade saudável, precisa de um campo interdisciplinar, num jogo de bom senso e acolhimento (não somente no viés jurídico) de todos os “jogadores-atores” envolvidos.


Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, debatedor do “Café com Análise” no Youtube)

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