A TOCAIA CRIMINOSA DE CLÁUDIO CASTRO
- zonanortejornalpoa
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A operação, denominada de “Contenção”, levada a cabo nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, no dia 28/10/25, sob a responsabilidade do Governador Cláudio Castro, foi a mais letal de que se tem notícia. Deixando um saldo macabro de 121mortos, foi praticada pele próprio Estado. Superou, em número de mortos, os massacres do Carandiru e Vigário Geral. Seja pelo extraordinário número de mortos, informações ainda oficiosas de sinais de execução e crueldade (corte de cabeças), pela fragilidade de planejamento e falta de integração com agências federais (PF, PRF, Força Nacional etc.) e por inúmeras outras razões de ordem técnica, precisa ser melhor analisada e dissecada, até a exaustão. Em especial, pelo Ministério Público Federal e Poder Judiciário. Há fortes indícios de que o Código Penal e a Constituição Federal, pedra angular em que se assenta todo nosso ordenamento jurídico, foram violados. Também os estudiosos do tema da segurança pública e gestores públicos precisam estudar o acontecido, como exemplo a não ser seguido.
O que aconteceu no Rio de Janeiro, que repercutiu negativamente no exterior e que está servindo para intensos debates de natureza legal, ética, política, ideológica, técnica e filosófica foi um evento bárbaro, obscuro, anticivilizacional, mal planejado e sem maior eficácia, no que tange ao enfrentamento ao crime organizado e à facção do Comando Vermelho. E, além disso, colocou o Estado Brasileiro, através do Rio de Janeiro, como suspeito da autoria de crimes hediondos e violadores do Código Penal e princípios da CF. Pesquisas de opinião, logo providenciadas, com uma população assustada com o extraordinário nível de violência e crescimento de facções criminosas, por todo o país, serviram para setores da mídia, e do próprio Estado, logo buscarem a legitimação das ações policiais. O Estado de Direito, vigente em nosso país, porém, obriga que os fatos sejam aprofundados, esclarecidos, à luz das normas penais e da própria Constituição.
Em rápida apreciação dos fatos, ao voo de pássaro, ab initio, fica escancarada a falta de planejamento das operações, realizadas, sem a integração com agências federais e sem a utilização do potencial de inteligência dos Órgãos Federais, responsáveis pela fiscalização do movimento de grandes capitais (COAF, por exemplo, utilizada na Operação “Carbono Oculto”), que poderiam auxiliar na verificação de circulação e lavagem de bilhões de reais pela facção Comando Vermelho. Ademais, a operação vazou e um dos principais objetivos, que era a prisão da maior liderança da facção, de alcunha “Doca”, não foi obtido. Terminada a operação, as forças policiais se retiraram, sequer isolando o local em que jaziam mais de 60 (sessenta) corpos (Floresta da Misericórdia). O Governador, apressado, comemorou o “sucesso” da operação.” Às câmeras e microfones, eufórico, afirmou que mais de 100 (cem) “bandidos” teriam sido mortos nos confrontos com as polícias. E que aproximadamente 70 (setenta) teriam sido presos. Com a voz mais baixa, informou que 4 (quatro) policiais haviam tombado em combate. Também que havia aproximadamente uma dezena de policiais feridos. Não informou o número de faccionados feridos. Por desleixo, ou porque não restaram feridos. Ou porque todos foram presos ou mortos. Situação que não cheira bem... Nos dias que se seguiram, como era de se esperar, pela fragilidade da operação (não manteve o território, nem capturou as maiores lideranças da facção), afora a tristeza dos que perderam seus familiares, tudo voltou à normalidade nos complexos da Penha e do Alemão. Inclusive já pôde ser vista, em imagens aéreas, obtidas pelos meios de comunicação, a substituição dos traficantes mortos pelo exército de reserva. Ou seja: a opressão do Comando Vermelho, sobre as comunidades, se mantinha incólume. Da lista de “bandidos” mortos, nenhum constava da denúncia do MP e dos Mandados de Prisão autorizados pelo Poder Judiciário.
Há, porém, outras questões sensíveis que o Sistema de Justiça precisa muito verificar. Após a Polícia fazer os Laudos de Necropsia (incrivelmente no RJ a Perícia não é separada da Polícia Civil) e identificação dos primeiros 99 (noventa e nove) corpos, o Portal do UOL obteve e divulgou a informação que 30 (trinta) dos mortos não possuíam antecedentes judiciais e sequer registros policiais provisórios. Como assim? O Governador não havia dito que todos os mortos eram bandidos? No Brasil, segundo a legislação penal, só pode ser considerado criminoso aquele que possua condenação penal transitada em julgado. Pois é... O Secretário da Polícia Civil, no dia seguinte, afirmou que muitos que não tinham antecedentes foram encontradas conexões com o CV nas suas redes sociais... O rei estava nu! (“O Rei Nu”, de Hans Christian Andersen). Ficavam latentes possíveis atos de ilegalidade praticados pelas polícias com responsabilidade do Governador Cláudio Castro.
O muro da morte: tocaia ilegal, que retira a legalidade da ação das polícias
No dia seguinte à denominada “Operação Contenção”, enquanto os moradores das favelas e familiares dos mortos, por falha do Estado, faziam ainda a retirada de mais de 60 (sessenta) corpos deixados na Serra da Misericórdia (a floresta fica no alto de morro, que separa o complexo da Penha do complexo do Alemão), depositando-os, lado a lado, em uma rua, ao pé da Avenida que margeia o Bairro da Penha, compondo uma cena macabra, o Coronel e Secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em coletiva à imprensa, informou e festejou a estratégia que levou a operação a “tamanho êxito”. Segundo este, foi constituído, no alto do morro, escondido dentro da Serra da Misericórdia (região de mata), um “Muro de policiais Militares”, lotados no BOPE, fortemente armados. Como assim, cara pálida? O objetivo da operação não era o cumprimento de Mandados de Prisão e Mandados de Busca e Apreensão? Para que então esta tocaia? Ora ora, não podemos ser ingênuos. O objetivo, desde sempre, não foi proteger os moradores das comunidades dos disparos. Mas, claramente, com a tocaia, dentro da mata, neutralizar os “bandidos”, que seriam pegos de surpresa ao fugirem do cerco policial que os perseguia. E aí, a “porca torce o rabo” (expressão gauchesca). A coisa fica muito séria. E cabe, de pronto, uma pergunta: é lícito à Polícia Militar fazer tocaia (emboscada)? Há controvérsias na doutrina e na jurisprudência.
Vê-se do Dicionário Aurélio que a palavra tocaia significa “uma emboscada, cilada, ou armadilha, utilizada para prender ou matar alguém.” Ou seja, o autor (es) se esconder para esperar e surpreender o inimigo.” In casu, para matá-lo. E aí, a pergunta definitiva: no caso, pode-se considerar legítima a ação da Polícia Militar, que através de tocaia matou mais de 60 (sessenta) suspeitos na Serra da Misericórdia? Eu entendo que não! Senão, vejamos: Sabido que para que haja crime há a necessidade de violação de um tipo penal (nullum crimen nulla poena sine lege). Sabido, também, que quando em uma troca de tiros com bandidos a polícia os mata, o caput do art. 121 do Código Penal é ferido. Mas a ação da polícia não é ilegal, eis que amparada pela excludente da ilicitude da legítima defesa, como segue: Art. 25, caput, do CP, que diz: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repelo injusta agressão, atual ou eminente, a direito seu ou de outrem". Nestes casos, sequer é aberto Inquérito Policial, para apurar o cometimento de crime.
Entendo, entretanto, que quando os agentes policiais, como no caso em análise, se utilizam de “tocaia, emboscada”, para matar os suspeitos em troca de tiros, fica ultrapassado o requisito do “uso moderado dos meios necessários”, não se aplicando, assim, a excludente de ilicitude da legítima defesa. A ação policial, nestes casos, configura violação ao artigo 121 do CP. Sendo punível.
Este entendimento é tão verdadeiro que o próprio art. 121 do CP, no inciso IV, classifica como qualificado o cometimento de homicídio, com o uso de emboscada, senão vejamos:
“Art. 121 – Matar alguém (homicídio simples)
§ 1ª - .................................................................
Homicídio qualificado:
§ 2º - se o homicídio é cometido:
I-................................................................................
Iv - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que torne impossível a defesa do ofendido.”
Ora, a toda evidência, o “Muro de Policiais”, como chamado pelo Comandante da Polícia Militar, fortemente armado, colocado escondido dentro da Floresta (mata) da Misericórdia, na parte alta do morro, surpreendeu dezenas de suspeitos, que subiam o morro, fugindo de outros efetivos das Polícias Militar e Civil. Assim, com toda certeza, a qualificadora do § 2ª, inciso IV, do art. 121 do Código Penal, acima transcrita, que qualifica o crime de homicídio, pelo uso de emboscada, afasta a excludente de ilicitude da legítima defesa. Desta forma é robusto o entendimento de que as dezenas de mortes geradas pelo BOPE, independentemente de terem sido praticadas por execução ou não, dentro da mata, constituíram-se em homicídios qualificados (Art. 121, §2ª, inciso IV do Código Penal), e por eles devem responder os policiais que os praticaram, o Comandante da Polícia Militar e o Governador Cláudio Castro, dentro do devido processo legal.

Juarez Pinheiro foi Secretário Adjunto da Segurança Pública do RS – Assessor Federativo do MJ – Secretário Municipal de Segurança do Rio Grande e Assessor Superior do MJ-RS.




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