Tenho 36 anos e isso faz com que eu colecione um pequeno catálogo de ausências. Parentes, construções, amigos, empregos: não são poucas as coisas que não fazem mais parte da minha realidade. Essa consciência das coisas que me faltam faz com que eu tenha, por exemplo, um imenso ranço com uma revendedora de automóveis da Avenida Souza Reis, que ocupa o exato local em que outrora havia a casa da minha vó e onde eu passei os anos mais felizes da minha infância, jogando bola, brincando de pega-pega, me esforçando para pular bem alto e pegar as uvas da parreira. Tenho – não é mentira, eu tenho mesmo – a vontade de, qualquer dia desses, entrar ali e perguntar: vem cá, só porque vocês são uma multinacional multibilionária vocês acham que podem construir algo no terreno da minha vó?
Dia desses, dirigindo pela Sertório, tomei um susto: o terreno em que durante anos existiu o chalé em que meu pai vendia casas pré-fabricadas estava repleto de retroescavadeiras. Dessa vez, a dor foi diferente. Tive vontade de estacionar o carro em cima da calçada, entrar na obra e mandar todo mundo parar de trabalhar. Como assim, construir algo no terreno onde meu pai trabalhou por tantos anos? Então quer dizer que, com o passar do tempo, ninguém mais lembrará que ali, bem em frente ao Império da Zona Norte, havia um chalé, e dentro do chalé um homem, e dentro desse homem amor por seu filho? Então era possível que aqueles monstros amarelos cuspidores de fumaça pudessem simplesmente ignorar o fato de que ali, em algum inverno do final dos anos 90, eu havia passado uma tarde inteira ajudando o meu pai a trabalhar e que ao final do dia ele me levou a uma locadora para eu pegar uma fita de Super Nintendo?
A verdade é que o Dia dos Pais, para muitos, como é o meu caso, é marcado pela ausência daquele que nos gerou e, espera-se, também nos cuidou. Por isso, cada abraço, cada beijo, cada palavra carinhosa sempre deve vir imersa na certeza da ausência que essa pessoa um dia será. Não se trata de uma visão pessimista ou depressiva da data, mas sim de dar razão a um indiscutível clichê: valorize as pessoas enquanto elas ainda estão aqui. No último Dia dos Pais que passei com meu velho lembro de tê-lo abraçado forte e pedido ao destino que seu tão frágil coração não parasse de bater, embora eu soubesse que esse seria um fim natural a que a insuficiência cardíaca o conduziria, mais cedo ou mais tarde. E é por isso que eu lembro, sobretudo, de ter aproveitado aquele abraço como se fosse o último e a ter agradecido à vida por meu pai ainda estar comigo.
Abracem e beijem seus pais. Sua presença é poderosa – e a sua falta é ainda mais intensa. Um feliz Dia dos Pais!
Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.
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