– Conheço uma brincadeira maravilhosa para este lugar. Diz a moça ao se curvar até a menina deitada no chão e olhá-la no fundo dos olhos. É só respirar, olhar para a natureza e depois podemos conversar sobre o que vês. A menina, como num passe de mágica, solta o celular e fixa o olhar no recanto com a grama verde e árvores espalhadas pelo espaço.
A moça volta a encostar as costas naquele banco. Ao seu lado, a mãe da menina fala que até na escola estimulam o celular. A moça, com a voz baixa lhe diz:
– Sim, mas é só a gente estimular que as crianças do mundo atual logo respondem.
O silêncio toma conta da mãe, da avó e da tia que estão sentadas no banco do outro lado da menina. Aos poucos aquela menina de uns 6 anos, vai erguendo as suas costas e senta-se na posição de meditação, com as suas pequenas mãos apoiadas sobre as pernas. Após um tempo, com o olhar perdido na beleza daquele lugar, volta a sua cabeça na direção da moça, seca uma lágrima que escorre pelo seu rosto e diz:
– Me fez chorar.
A moça se curva novamente e lhe diz:
– Sim. Quando a gente respira e olha para a natureza, a beleza pode nos fazer chorar, pois a natureza nos conecta com o coração, com a nossa alma.
Rapidamente, a menina volta o seu olhar para a natureza à sua frente novamente.
Depois de um tempo, a mãe, sabiamente, lhe diz para colocar os pés - descalços - no chão. A menina, suavemente, se levanta e caminha devagar. Antes de sair, a mãe lhe diz para agradecer. A menina se vira e enquanto a moça faz o gesto Namastê, a menina rapidamente lhe abraça. Um abraço demorado e profundo. Ao se distanciarem, a moça põe a mão no seu peito e lhe diz que sempre que desejar, pode respirar e sentir a natureza novamente.
Aos poucos, a moça vai vendo aquela menina, de mãos dadas com a mãe e acompanhada da avó e da tia, se afastar.
Podem estar pensando que decidi, neste mês, compartilhar um conto. Surpresa! Não é. Mas sim o início da crônica através de um fragmento do que foi aquela experiência no Templo Budista Chagdud Gompa Kadro Ling, em Três Coroas. Também não é flash back... É, simplesmente, o escrito de agosto que escrevo, mais uma vez, a partir de um simples e complexo domingo de Prática de Tara Vermelha e de contemplação.
Mal sabia a menina e a sua família o quanto aquela experiência me emociona e me traz esperança no futuro. Proporcionou um momento único e maravilhoso. Mudou, inclusive, a escrita da crônica já que eu estava com o bloquinho e a caneta delineando as primeiras frases.
Aliás, a mudança na escrita já começa quando aquela criança franzina de olhos curiosos (pelo celular), de pés descalços, se deita de barriga para baixo, apoia os braços no chão e tagarela enquanto os seus finos dedinhos tocam a tela do celular. Além, é claro, da tentativa de levantar o volume e, a mãe de lhe explicar que podia continuar assistindo desde que mantivesse o volume baixo. Mas por quê? Pergunta a menina. A mãe, um pouco sem jeito, sentada ao meu lado, enquanto eu de caneta em uma mão, bloqueto de papel na outra e olhos contemplando a imagem a minha à frente, insiste em responder:
– Para não atrapalhar as outras pessoas.
Na insistência da mãe em baixar o volume e dizer que ela ia lhe tomar o celular, a menina então decide recorrer a uma saída estratégica:
– Então, vamos caminhar.
Lá, mais uma vez, vai a mãe contornar a situação:
– Me deixa terminar o chimarrão e depois vamos. Enquanto isto, a tia e avó, conversavam baixinho e se olhavam.
Eu? Ah! Sim. Escuto alguns de vocês se questionando sobre como estava “euzinha” diante da situação. Já que algo estava acontecendo ao meu lado durante a contemplação. Respondo. Respirando devagar, sorrindo e observando. Tentando sentir o momento. Mas algo me empurrou para a intervenção que realizei.
Ansiedade? Não. O desejo de vivenciar o que poderia ocorrer. Foi um momento mais do que especial. Lembro que ao entrar no carro para ir embora, agradecendo muito o que tinha experienciado, olhei o WhatsApp. Tinha a mensagem de duas grandes amigas que a vida me trouxe, a partir do trabalho, e que comungam da mesma preocupação com as crianças e adolescentes e, mais do que rapidamente, enviei um áudio contando a minha emoção.
Quantas vezes já compartilhei sobre o período que atravessamos com vocês? Sempre buscando a ampliação de consciência e o fortalecimento de quem somos e quem podemos Ser.
O Templo é um local que me fortalece, lá se vão, aproximadamente, 25 anos desde que pisei pela primeira vez naquele recanto no interior de Três Coroas. Na época, a sala de Práticas ficava onde, atualmente, se localiza um dos espaços para visitantes que desejam realizar retiro.
Muitas recordações estão presentes em mim e, hoje, sempre que posso procuro realizar a Prática de Tara Vermelha aos domingos, no Templo. Confesso que a primeira experiência de ampliação de consciência ocorreu durante essa Prática lá pelos anos de 2003. Esta vivência, inclusive, despertou um mantra pessoal que me acompanha. Por muitos anos, realizei a Prática, em casa, com um CD que ganhei de uma amiga. Hoje, temos a felicidade de encontrá-la na internet.
Podem estar perguntando por que decidi iniciar a crônica por esta situação. Simplesmente, porque ela demonstra o quanto as crianças podem ter a facilidade de se conectar com a natureza, portanto, com a nossa Essência.
Nós, ditos adultos, às vezes nos esquecemos o quanto é importante respirar e nos conectar com a natureza. Inclusive podem até pensar, “mas que tempo temos para isto?”. Na verdade, o tempo é uma construção nossa na busca de uma organização. O problema está em nos tornarmos escravas e escravos do tempo. Ou melhor, de um tempo que nos retira a possibilidade de escolha. Um tempo que nos captura e rejeita as nossas opções (até porque nem sempre percebemos quais as escolhas são, verdadeiramente, nossas).
Quando me sentei no banco, em uma posição diferente da que estive na outra vez, não tinha ideia do que estava por vir. Naquele banco, pude contemplar o mesmo jardim através de um novo prisma. Pude perceber, mais claramente, o telhado do Templo da Terra Pura de Guru Rinpoche, por exemplo.
Pessoas continuavam passando. Eu as escutava enquanto observava o Templo ou quando permanecia com os olhos fechados.
Escutava os pássaros e o som das folhas e das bandeiras de oração. Algumas vezes, quando abria os meus olhos, enxergava uma árvore bem diferente que continha flores de duas cores: brancas e vinho, ao meu lado. A natureza é mágica mesmo!
Mas ela somente é mágica para quem se permite desfrutá-la. Podemos passar uma Existência inteirinha sem contemplar uma só folha balançado ao vento ou as formas e cores das flores.
Quantas vezes podemos dizer que os dias são iguais, pois temos a mesma rotina. Aliás, até as mesmas inquietações, irritações, discussões. E, pior, podemos ter nos acomodado ao padrão diário, permitindo que sejamos soterrados pelas situações.
Num piscar de olhos, saímos dos 15 e fomos parar nos 40, 50 anos... Pode? Pior que pode...
Quando percebemos, a Existência passou... nossos sonhos, desejos e aspirações se perderam no acúmulo de terra. Não foi bem adubado, regado e não frutificou.
Quando àquela menina, em fração de segundos, descortinou a respiração, contemplou e se emocionou, reforçou em mim a certeza de que é possível. É possível momentos diferentes. Com certeza, a mãe, a avó e a tia daquela criança comentaram sobre o que tinham vivenciado. Aquela menina mostrou que é possível se deslocar da tela do celular para as múltiplas cores e formas da Existência. Mostrou que se estamos deitados, podemos nos sentar e nos levantar... É possível caminhar um pouco mais devagar. Como aquela bela canção de Almir Sater “ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais”.
Que possamos nos permitir desacelerar e viver cada passo, mesmo que alguns possam nos desestabilizar, pois sempre há um novo. Permanentemente, há uma nova imagem, um novo som a nos permitir a Conexão com o Divino que habita em nós e em todo o universo.
Sejamos Luz!
Patrícia Ziani Benites
Psicóloga e Escritora
Canal no YouTube: Tocando o Coração Enxergando a Alma
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