Não é de hoje que temos odiosas decisões baseadas, unicamente, em elementos volúveis, que destroem a vida de pessoas inocentes.
Estamos falando, mais precisamente, de decisões interlocutórias e sentenças condenatórias fundamentadas, exclusivamente, no reconhecimento inicial efetuado na fase do inquérito.
Com efeito, é bastante trivial no metiê policial que sejam apresentadas às vítimas a fotografia do potencial autor do delito, por exemplo, logo após a captura do suposto autor do crime.
No mais das vezes, a prova está centrada unicamente na palavra da vítima, dada a clandestinidade da atividade criminal, e esse reconhecimento ganha contorno de importância ímpar para solucionar o caso.
Mas essa fotografia, de forma isolada, ofertada no calor do momento a alguém que passa por um trauma extremo pode condicionar seu depoimento e lançar sobre o investigado um peso que não consegue ser afastado posteriormente.
O artigo 226 do Código de Processo Penal, ao longo de seus incisos e parágrafo único, reserva o procedimento a ser observado em caso de reconhecimento pessoal:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Por analogia, o reconhecimento fotográfico deverá seguir o mais próximo possível a linha traçada para o reconhecimento pessoal; é vital que seja primeiro indagado da vítima as características do suspeito para, em um segundo momento, ofertar-lhe fotografias (mais de uma) de quem quer que seja.
Isso confere maior segurança jurídica ao ato e evita que, em um futuro próximo, essa etapa da investigação seja perdida.
Todos esses cuidados garantem a lisura da diligência e não podem ser barganhados, sob pena de nulidade da prova, como assentou o Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC n. 598.886: “
[...] O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa [...].
Aliás, o tema do reconhecimento falho já foi objeto de diversas publicações nas mídias, sendo um símbolo de injustiça para a parcela social mais vulnerável (população negra e de menor condição econômica).
Por isso, é sempre importante voltar os olhos para o tema que pode ser o fiel da balança para se evitar que um inocente acabe pagando a conta por estar no lugar errado e na hora errada.
Andriele Dall’Agnol e Giuliano Pahim
Escritório Dall’Pahim Advogados
E-mail: dallpahim@outlook.com
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