No canto dos pássaros
O amanhecer
No silêncio da noite
A permissão da Alma para Ser
A água... ah a água!!
Permitir que o seu fluir seja o movimento de um novo Encontro...
Assim inicio a crônica deste mês. Com um ensaio de poesia construído durante uma roda de chimarrão virtual promovida pela Rede Unida e Fórum Gaúcho de Saúde Mental para as/ os trabalhadoras/ es na saúde que têm atuado na catástrofe que estamos atravessando.
Entre os causos compartilhados, poesias e cantorias vindas de Currais Novos, Rio Grande do Norte, através dos artistas que contribuíram para trazer leveza à dureza do último mês, nos acolhemos e nos possibilitamos ressignificar o que estamos vivendo.
Lembro de uma poesia programada há uns dois meses para ir ao ar em 05 de maio, no Canal Tocando o Coração Enxergando a Alma, intitulada “Não vi setembro passar” da colega de Secretaria Estadual de Saúde e poetisa Adriana Skamvetsakis, percebo que o mês de maio não passou. E não te enganaste!!! Escrevi 5 de maio ao invés de 05 de junho, data correta.... No lapso de memória, a desorientação presente que dá a nota para esta crônica.
Como tens vivido este último mês? Que deslocamentos no espaço e tempo tens tido? Quais lapsos de memória... de sono.... de apetite... de locomoção.... tem acontecido contigo? Muitas perguntas.... poucas respostas.... Talvez, só talvez, porque não existam tantas respostas.
Sentada, neste momento, no cantinho que adoro em um local que amo estar, muitas permanecem sendo as reflexões. Um misto de sentimentos e sensações. Horas em que as lágrimas escorrem pelo meu rosto, com a ânsia de limpar toda a tristeza que eu, assim como tantas pessoas, tenho sentido. Horas em que um leve sorriso aparece com o brilho do sol tímido que teima em surgir no horizonte. Horas em que a risada aparece durante uma conversa, já que o bom humor é necessário para que as Fortalezas surjam.
Não sabemos ao certo o caminho. Sabemos que precisamos andar. Aí lembro da expressão de um querido amigo “Precisa andar, para onde cara pálida?”. Neste momento, percebo que precisamos parar por alguns instantes, tomar fôlego para continuar.
Geralmente, o que aprendemos é que diante de uma emergência e desastre as primeiras 72h, são aquelas das respostas mais imediatas e onde os primeiros socorros psicológicos são essenciais. Para muitos de nós, permanecemos nas 72h.
O tecido social foi rompido, algo que é para além da singularidade. É da coletividade. Por isto, as ações coletivas, de apoio, são tão essenciais. Necessitamos uns dos outros.
Nas rodas de terapia comunitária integrativa, a última etapa é um círculo onde as pessoas, em pé, braços entrelaçados, cada pé tocando os dos parceiros que estão lado, fazem um balanço para um lado e para o outro. Neste balanço, falamos que podemos balançar, mas não caímos, pois um dá apoio e suporte ao outro.
Sempre acreditei na potência do coletivo, naquilo que costuramos a partir do contato com o outro. Neste mês senti e vi o quanto isto se faz necessário. Cenas inimagináveis que colocaram à prova tudo o que sabíamos, desconhecíamos e nem imaginávamos.
Obra de ficção de Spielberg? Não. Realidade mais complexa e difícil que qualquer filme!!!
Durante o período em que estive em campo, no território, em ações diretas, observei o rio que atravessa a região em que estava. Pude perceber que algo mudou. O rio alargou, mata ciliar quase não existe mais, conversas infindáveis sobre o vivido... paisagem diferente e um vazio no ar. Talvez porque o meu olhar e as minhas sensações estivessem diferente.
No decorrer deste mês recebi ligações e mensagens de amigas e amigos de fora do Estado. Preocupação e um desejo de colaborar. Por alguns instantes, uma corrente gigantesca para socorrer tantas pessoas e animais que foram empurrados para fora do seu lar. Esta é, apenas, um dos lados da moeda multifacetada da situação.
Assistindo um vídeo de Eduardo Bueno sobre a situação do RS fui convocada a refletir sobre a história que nem sempre está na nossa memória, seja porque “faltamos” a aula naquele dia, seja porque “faltamos” tantos outros... Estudar sobre a constituição das cidades, se envolver em questões de planejamento urbano e pautas ambientais, para algumas pessoas, é bastante distante da sua realidade. Mas não temos como escapar.
O enésimo, figuramente falando, desastre é a ponta de um iceberg que sabemos que existe, mas que nem sempre temos a dimensão e, muito menos, nos envolvemos na conversa. Procuramos nos desresponsabilizar de um processo que é nosso. Como em outros momentos comentei, simplesmente colocar na conta de eventos climáticos nos impulsiona um pouco mais para o abismo. O pó que insistimos em colocar para baixo do tapete, algum dia será espalhado pelo ar. Atrapalhará a nossa visão, impedira a nossa respiração e nos deixará atordoado.
Nos deixará ou está nos deixando atordoado? Eis mais uma questão para o caderninho.... Bah! Acho que entreguei a minha “experiência” (ops! Para algumas pessoas, idade...). Talvez, a experiência já me dê a condição de reafirmar... não há mais tempo para nos enganarmos.
Mas o que podemos fazer diante do inevitável? Quais as infinitas possibilidades?
Bem, deixo para cada leitora e leitor, refletir.
Assim como a poesia inicial e a foto que escolhi para representar o momento, sinto que, precisamos silenciar. Um silêncio onde a Alma pulse e encontre o caminho. Caminho que é do coletivo.
Há noite, existe dia. Há chuva, sol, nuvens. Fazemos parte deste todo. Permitir que a circularidade da Existência, tão belamente desenhado no céu de um amanhecer, onde as nuvens mostram a sua face, mas onde enxergamos o azul, é uma possibilidade. Possibilidade de refazer elos, tecer caminhos inimagináveis e Permitir que o Encontro aconteça. Que Encontro? Ah! Mais uma questão que deixo para que possas botar o pensamento para funcionar e a sensação fluir.
Aos poucos vamos saindo das 72h... E, não hesite em participar de grupos, rodas, pedir apoio para lidar com a situação. Se permita ser cuidado e cuidar. Hoje, a dor e a força é de todas, todos, todes nós!
Que sejamos Luz, Paz, Resiliência e Sabedoria!
Quem quiser colaborar com doações ou se voluntariar, pode entrar em contato com os canais oficiais dos municípios, do Estado e de Entidades que têm sido muito importantes para cuidado e acolhimento de tantas pessoas e animais.
Patricia Ziani Benite
Psicóloga e escritora
Autora dos livros Tocando o Coração - Enxergando a Alma e Em busca da Alma perdida
Canal Youtube: Tocando o Coração Enxergando a Alma
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