A Velhice em Mario Quintana
- zonanortejornalpoa
- 28 de abr.
- 3 min de leitura

Muitos foram aqueles que escreveram sobre a velhice e sobre a morte.
Simone de Beauvoir escreveu em 1970 o clássico ensaio “Sobre a velhice”, num majestoso apanhado da História da Humanidade e seu tratamento com as pessoas idosas e com a morte destas.
Na Grécia, Platão e Aristóteles tinham visões diversas acerca do “velho”. O teatro grego deve ter sido quem mais tratou do tema, às vezes, com uma crueldade sem tamanho. Em Roma, Cícero e Sêneca tem seus escritos e pensamentos.
Muitos que se debruçarem sobre as longas páginas de “A velhice” de Simone de Beauvoir vão se escandalizar como os povos nômades e outros tantos tratavam das pessoas idosas, não podendo alimentá-las, deixando-as morrer de fome e frio.
Porém, estas mesmas pessoas não se debruçam sobre os relatos que começam a aparecer cada vez mais no Brasil com “velhos” largados e amontoados em “asilos”, casas privadas de longa permanência de pessoas idosas.
POR QUE MARIO QUINTANA?
Em anexo, apresento ao leitor 14 poemas do nosso poeta de Alegrete sobre o Tempo, sobre ser “velho”, da metamorfose da vida. Sim a metamorfose sinalizada em seus poemas quando fala de infância e velhice com uma poética tocante.
Porque Mario Quintana soube tratar do tema de forma simples e poética como poucos.
Esta Metamorfose está em “O velho do Espelho”, onde o poeta se vê e dialoga com seu pai, onde ele é hoje o seu pai de ontem. Sempre com aquela ironia peculiar de Mário Quintana, em diálogo com a infância que não se perde nele:
Lentamente, ruga a ruga... Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mario insiste sempre no tema da Finitude, como aqui em “Tic-Tac”:
Esse tic-tac dos relógios
é a máquina de costura do Tempo
a fabricar mortalhas.
É o inexorável que retoma em “Relógio”:
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.
E o poeta, como disse, sempre com o seu fio condutor na infância, na teimosia, na briga teimosa pelo existir.
Veja isso de forma evidente em “O último poema”:
E, enquanto a voz do padre zumbia como um besouro,
Eu pensava era nos meus primeiros sapatos
Que continuavam andando, que continuavam andando,
Até hoje
Pelos caminhos deste mundo.
Sem esquecer da sua geração, dos meninos de sua infância, dos quais é duro e chocante:
E depois, como estão envelhecidos, os pobres-diabos!
É o que os torna ainda mais antipáticos.
Ou seja, o poeta não manda recado, dá o recado.
Mario é o poeta da ironia, da fina graça, do sarcasmo, sem se perdoar:
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
A Morte chegou na sua locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Chega na hora incerta, assim para conclusão e arremate, eis a reprodução de um poema síntese:
Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Mario Quintana é um poeta de uma geração de escritores do modernismo realista, sem perder seus laços com as gerações pretéritas. Sua poética além do real dialoga com a ironia, com o saber, com os sonhos, sem enganar a ninguém
Mario é o filósofo do saber real, da finitude, mas fica caçoando com ela, porque se soubesse o que sabe com a velhice “seguia em frente/E iria jogar pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”.
E, assim, seguimos nós cuidando da Metamorfose da Vida, buscando permanentemente a Arte de Envelhecer.

Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.
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