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Adolescência II

Adolescência II: plano-sequência e psicoterapia analítica



A minissérie “Adolescência”, que retomo, instiga-me sobre a escuta, avaliação psicológica e intervenção na clínica psicanalítica com adolescentes,

A psicóloga, destacada no terceiro episódio, tem sessões com o jovem que aguarda julgamento, acusado do assassinato a facadas de uma menina. A perita, independente da instituição que ele se encontra, sem poder fugir de sua atribuição, não me parece inquisitorial, indutiva em forçar uma confissão.

Nesses encontros, a demanda de amor de todos nós, como dizia Freud, é explicitada pelo garoto, numa projeção provável de suas questões com o feminino (ainda que a relação dele com a própria mãe não seja explorada). 

A psicóloga não responde à demanda. Mas ouve atenta e não desvia o olhar que fizeram falta. Como lacaniano, entendo que a escuta é o acolhimento. Ele libera muita agressão. Lembrando Winnicott, psicanalista, teórico do desenvolvimento humano, que o amor de transferência pode advir do ódio expresso de um analisando. A intervenção convoca James a falar sobre significantes importantes para o caso: morte, masculinidade, sexualidade e orientação sexual.

Freud nos ensinou que a identificação primeira é a emocional, não sendo uma mera imitação. A do James é intocável em relação ao pai, cujo papel a psicóloga o convoca a falar. Ele o defende como não violento, mesmo tendo destruído um galpão( além de agredir garotos pichadores acusadores).

Na transferência, o adolescente alterna amor e ódio projetivo na profissional mulher. E permite insight de seu lugar “incel”, de inibição na conquista da vítima, Kate, que ele supôs, imaginariamente, ver frágil, por também ter sido vítima de um Gyberbyling, exposta seminua na rede social.

Pela narrativa, no desenlace, temos uma decisão do jovem antes do julgamento, endereçada aos pais (não darei spoiler). Entendo que isso resulta de ter sido escutado, profissionalmente, para além do processo acusatório que foi violento, desde a forma que foi preso.

Na relação com a psicóloga, James tenta ter controle e testar o saber da profissional, que paulatinamente se impõe. Lembrei de experiência importante no meu percurso, com adolescentes, na Clínica de atendimento psicológico da UFRGS.

Teve um caso que o jovem sempre me ganhava em jogos. Levei isso para a supervisão, preocupado com minha credibilidade. A supervisora, experiente com esta fase do desenvolvimento, no viés, psicanalítico, disse-me que isso não era um problema. Sim, pois o adolescente traz sua sabedoria e aos poucos vai, na transferência, dando um lugar de amor e suposto saber ao analista. Foi o que aconteceu.

Na minissérie, um discurso acusatório da instituição policial é que dava as cartas. A psicóloga teria que fazer uma diferença. Evidentemente que não foi um trabalho de psicoterapia. Porém, aponta o quanto as instituições devem apostar não numa mera perícia com foco de obter um réu confesso, mas estarem alinhadas aos princípios do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), tendo os cuidados que um jovem, não subjetivado de criminoso, deve ter. 

Vimos o que é atual em Avaliação psicológica: uma espécie que a combina com intervenção. E temos uma perspectiva que traz a importância da validade clínica, não tendo que ter testagem, obrigatoriamente. Porém, usando do melhor instrumento: a escuta, recado que a minissérie deixa a todos os atores, família, escola, justiça e sociedade.


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Gaio Fontella é psicólogo, psicanalista, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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