Que falta das videolocadoras!
- zonanortejornalpoa
- 16 de abr.
- 2 min de leitura

O andar da vida vai nos tirando muitas coisas. Cabelos, parentes e paciência são apenas alguns dos itens que, conforme os anos passam, vão caindo dos bolsos da nossa existência. No meu caso, além dos cabelos, sinto imensa falta das videolocadoras de VHS.
Visitar uma delas era algo ritualístico. Enquanto meus pais escolhiam filmes de suspense, eu mexia pela milésima vez nas fitas dos desenhos, e escolhia uma para locar com a curiosidade de quem estava pela primeira vez vendo o Coiote correr atrás do Papa-Léguas. Havia o cheiro das fitas, as promoções, a multa por não as rebobinar. Também havia aquele cômodo proibido, separado do resto da locadora por uma cortina vermelha, onde se escondiam coisas que eu não conhecia, mas que mesmo assim me deixam envergonhado.
No bairro São João era comum encontrar todos os conhecidos na Locadora Gaúcha, que se localizava debaixo de um prédio na esquina da Benjamin com a Souza Reis. Lá, havia um ar-condicionado muito forte. De dentro dele saía um cheiro fresco. Eu gostava de parar em sua frente e puxar o ar o máximo que pudesse. Será que isso não fazia mal?
Nas sextas de noite, era comum se ver casais descendo a Souza Reis com sacolas de fitas nas mãos. Foi por meio da Locadora Gaúcha que eu me apaixonei por Indiana Jones, Esqueceram de Mim e tantos outros clássicos do início dos anos 90. Meu pai, certa vez, me proibiu de alugar fitas dos filmes da série Sexta-Feira 13, na correta convicção de que a figura de Jason poderia me suscitar pesadelos e horas acordado de madrugada.
Um dia, lá pelos idos de dois mil e pouco, eu já adolescente, passando pela Souza Reis, vi com tristeza que a locadora Gaúcha estava com uma imensa placa de “vende-se todo estoque”. Entrei no local e perguntei por que estavam fechando. A resposta: todo o prédio seria demolido para a construção de um viaduto. Olhei aquele misto de DVDs com fitas VHSs, constatei que não tinha dinheiro para levar nenhuma recordação e saí, mãos nos bolsos, me perguntando qual outro local a passagem do tempo tiraria das minhas vistas.
Pouco tempo depois, o prédio, de fato, foi demolido para dar lugar ao viaduto Utzig. Enquanto as enormes máquinas trabalhavam na esquina da Benjamin com a Souza Reis, senti falta de não ter uma câmera ali comigo para tentar gravar um pouco do que restava daquele cenário. Hoje, com um celular na mão, quase não filmo a cidade – que por certo passará e deixará inúmeros outros prédios na memória. Que falta nos faz uma videolocadora em meio a tantos streamings que não damos conta de assinar e muito menos assistir.

Cristiano Fretta é escritor, professor e músico.
Apesar da diferença de idade, me identifico muito. Meus fins de semana nunca mais tiveram tantas atrações. Ótima crônica.