Adolescência
- zonanortejornalpoa
- 11 de abr.
- 3 min de leitura

A minissérie “Adolescência”, em plano-sequência, na Netflix, vem provocando importantes reflexões interdisciplinares sobre essa fase do desenvolvimento humano, na contemporaneidade, tendo olhares para os vários atores. Trago o suporte psicanalítico, que é o meu lugar mais casual de fala.
No primeiro episódio, temos vários choques: a forma que a polícia prende o adolescente de 13 anos, conduz o inquérito e expõe o vídeo que registra o menor esfaqueando uma jovem, embora ele negue a autoria.
No Reino Unido, temos uma maioridade penal aos 10 anos. Ainda assim, não se justifica a forma cruel e violenta que, ao ser preso e no inquerido insensível, o menino e a família sofrem. E nosso Brasil, com todas suas falhas, tem um ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), que não permitiria tratar o acusado, como um criminoso, mas infrator.
Manuela d’Avila, nas redes, fez um importante contraponto, lembrando que na Inglaterra a misoginia tem um grande líder, Andrew Tate, e que o lugar da menina, vítima, não é o foco, como na série se pergunta uma mulher policial.
A família sofre muito. O pai se culpa por ter sido ausente. A narrativa do acusado ilustra o que na psicanálise lacaniana é muito importante à estruturação psíquica, o olhar, na reedição do “Estágio do espelho”: Ele convoca o pai a ver o ato em vídeo e lembra que o mesmo desviou o olhar num fracasso do menino numa partida de futebol.
Essas duas cenas, atuações (acting out), são de falência simbólica na qual a palavra não operou, buscando entendimento. Seriam oportunidades de olhar acolhedor e escuta do que o filho realmente gostaria de ter como esporte ou hobbies.
A adolescência é um período de lutos do corpo, de conflitos com sexualidade, gênero, orientação e rumos para a vida adulta. Existe uma reedição edípica que traz retomada de identificações parentais e com os modelos dos pares.
No mundo que vivemos, o cyberbullying assume proporções gigantescas pelo “rastilho de pólvora” das redes. O isolamento, a timidez, e a colocação de uma libido virtual, podem facilitar um desviou para um campo perverso, de vingança, de misoginia, tendo relação com o termo “incel, tão viralizado pela série. Um objeto que não é possível de ser amado, correspondido, pode ser alvo mortífero.
A psicanálise, muito vista como pessimista por não apontar algo que responda à castração de modo satisfatório, nos traz alentos: a volta do “perverso polimorfo”, normal na infância, no viés Freudiano, na adolescência, tem, na retomada do Édipo, uma nova possiblidade da inserção da lei, pela função paterna.
No caso do Jovem, seu pai também revela uma violência contida, que procurou fazer diferente das agressões parentais sofridas em sua infância. A medida pode ter sido de ausência de limites na educação do jovem indiciado. O garoto, como muitos da sua idade, não saía do quarto, da internet, das redes.
Winnicott nos ajuda a ver os atos antissociais da juventude, justamente como uma resposta ao desamparo. Um filho, como o da série, que tem talento para desenhar, não para bola ou box, precisaria ser ouvido e estimulado no seu desejo.
A minissérie traz a habilidade de uma acolhedora psicóloga que dá escuta, permitindo simbolização. Isso vai implicar numa posição subjetiva nova no discurso do jovem, no desfecho perto do julgamento (sem dar spoiler).
No entanto, não nos cabe o paradigma culpabilizador, punitivo, mas um olhar ético-estético: e refletirmos que a psicologia do desenvolvimento e a psicanálise transversalizam com o ECA, que não rotula um adolescente com o significante “criminoso”, num “Ato infracional”. Visto estar na adolescência, momento de possiblidades de mudanças, com medidas socioeducativas que facilitem implicação do sujeito.
Que façam sua parte a família, a sociedade e a escola, responsáveis pela estruturação de sujeitos não violentos. O que demanda uma política pública intersetorial, interdisciplinar, bem como uma pesquisa correlacional do bullying e misoginia, com o isolamento virtual. E assim fazer uma “nova série”, reeditada, tendo “plano-sequência “com cortes!

Gaio Fontella é psicólogo, psicanalista, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.
Comments